sábado, 22 de outubro de 2011

Educação especial para todos os alunos


Inclusão universal prevista em novo plano de educação do MEC põe em xeque as escolas especializadas de ensino para crianças portadoras de deficiências

Alice Melo
Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de ensino”, é o que diz a meta quatro do novo Plano Nacional de Educação, que prevê a reestruturação da educação brasileira até 2020 por meio de 20 metas. No que diz respeito à inclusão, a proposta é de fazer com que todas as crianças com deficiência ingressem em escolas regulares, as quais oferecerão um ensino duplo. Ou seja, em um turno, a criança cursa as matérias regulares de sua série e, no contraturno, recebe uma atenção especial, em salas multifuncionais que se adaptam às suas necessidades. A prática já acontece em alguns colégios da rede pública, mas não na maioria.
A contrapartida da implementação de um programa amplo de inclusão seria o desaparecimento das escolas especializadas para crianças com deficiências, como acontece no Rio de Janeiro, como os institutos Benjamin Constant (IBC) e Nacional de Educação para Surdos (Ines). Em março deste ano, o MEC teria comunicado a ambos a suspensão das matrículas do ensino básico a partir de 2012. A notícia gerou uma mobilização por parte de pessoas relacionadas às instituições e um novo acordo foi firmado entre as partes: as escolas permaneceriam abertas e os quase mil alunos teriam vagas garantidas no Colégio Pedro II (CPII), também federal, se a opção dos pais fosse a escola regular.
Contactado, o IBC afirmou que é a favor da inclusão, defendendo que ela, inclusive, já acontece. Segundo a assessoria de imprensa do instituto, as aulas do ensino básico vão apenas até o nono ano. Depois disso, o aluno com deficiência visual ingressa na escola regular para completar a formação.
A polêmica ainda corre e o temor de ex-alunos e pais de estudantes dos centros é que paulatinamente eles sejam erradicados em prol de um ensino deficitário e mal preparado, como seria hoje a educação pública brasileira. Vanderlei Vazelesk Ribeiro, professor do departamento de História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), foi aluno do IBC de 1982 a 1990 e defende a vida longa ao ensino especializado: “Os ‘especialistas’ fazem uma distinção entre escola especializada (segregacionista) e escola regular. Dizendo que ela anda na contramão da inclusão. Isso não é verdade. Quando entrei no ensino médio do CPII, eu estava bem preparado graças à minha base do IBC”.
  • O professor ainda critica a infraestrutura do ensino regular atual, alertando para a falta de preparo dos professores, ausência de material em braille na maioria das escolas e de um auxiliar em sala de aula. “Querem cortar gastos no melhor estilo neoliberal, mas embrulhado no discurso politicamente correto”. E comenta: “Para nós, cegos, é muito ruim, mas depois que somos alfabetizados em braille fica mais simples. Acompanhamos. Os surdos são mais prejudicados. Nós falamos português, eles, a Língua Brasileira de Sinais. Isso muda tudo”.
    O interesse do governo para mudar essa situação parece aumentar com o tempo, como mesmo frisa a meta quatro do PNE. Um exemplo é o programa de educação especial do município do Rio de Janeiro que, de 2009 para cá, ganhou 300 novas salas multifuncionais para atender a nove mil crianças com deficiência, no contraturno da educação da rede básica. “A iniciativa vem da escola. Quando ela recebe um aluno com deficiência, começa a se adequar às suas necessidades; os professores são capacitados e a rede fornece o que ele demanda”, diz Kátia Nunes, diretora do Instituto Helena Antipoff, que atua em parceria à prefeitura desde 1977, oferecendo apoio à rede pública de ensino.
    A Escola Leônidas Sobrinho Porto, em Bangu, na Zona Oeste carioca, é um dos centros de referência na inclusão de alunos com deficiência visual no município. Atualmente, tem 22 estudantes cegos matriculados – oito sendo preparados para ingressar no ensino regular e 14 já frequentando as salas multifuncionais apenas no contraturno. A pedagoga Sandra Sousa é responsável pela educação especial do colégio. “Aqui, eles recebem estímulos à coordenação motora desde a creche, são alfabetizados em braille, recebem apoio nas disciplinas regulares para acompanharem as matérias como os outros alunos”, explica. A professora conta que uma das maiores dificuldades dos alunos na educação regular é entender mapas e estudar geometria – nas salas, assim como nas escolas especializadas como o IBC, são confeccionados mapas especiais, cubos e formas geométricas em alto relevo, textos em braille. E acrescenta: “A experiência que eu tenho é que depois que eles aprendem o braile só precisam da boa vontade do professor para preparar a aula com antecedência e falar pausadamente.”
    Cristiane Nascimento, pesquisadora da Revista de História, trabalha no colégio de Sandra e dá aula para dois deficientes visuais. Ela conta que prepara as aulas com antecedência e sempre tem cuidado de descrever com detalhes uma imagem ou um mapa. “Por exemplo, quando estava preparando uma aula sobre Revolução Francesa, tinha que falar sobre Antigo Regime. Então, decidi levar aos alunos imagens das roupas da época, para mostrar como a corte era luxuosa. Para que eles entendessem melhor, decidi levar pedacinhos de tecidos das roupas, como renda e veludo”.
    Uma trajetória de lutas
    Apesar da inclusão e da política contra o preconceito estarem em pauta hoje, foi preciso muita “luta” para que a situação caminhasse para o que conhecemos hoje. Anakeila Stauffer, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio, diz que a mudança na concepção da deficiência e da educação especial no país data das décadas de 1960 e 1970, quando “o olhar sobre a deficiência irá se deslocar um pouco do aspecto congênito para uma visão correlacionada da deficiência com os fatores ambientais, onde o próprio sistema educacional deve se posicionar para dar uma resposta mais adequada aos seus educandos, favorecendo, assim, seu desenvolvimento e sua aprendizagem”.

    A educadora, que teve como objeto da dissertação de mestrado a Educação Especial, defende a inclusão de crianças deficientes em escolas regulares: “A escola pública, como uma instituição da sociedade responsável pela socialização do conhecimento historicamente produzido, não pode negar esta conquista a mais um grupo populacional”. Mas, apesar disso, ela acrescenta: “O ensino especializado não desaparece na inclusão. Ele é potencializado para cada educando - o que não significa retirar o educando para um sistema à parte (excluído) do ensino regular”

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