sábado, 5 de novembro de 2011

Panorama Geral da Inclusão Social

Um paradigma em declínio

Tem sido uma prática muito comum discutirmos e deliberarmos sobre os direitos das pessoas com deficiência, por vezes focalizando alguns desses direitos e por vezes focalizando todos os direitos de uma forma geral. Como conseqüência dessa prática, decretos, leis e outros instrumentos formais têm surgido com certa freqüência e abundância em todo o Brasil, particularmente nas regiões mais desenvolvidas.
Na mesma extensão e na mesma profundidade, temos gerado políticas públicas em resposta às necessidades das pessoas com deficiência. Cada política pública foi formulada grandemente fundamentada em decretos e leis, assim como em declarações e recomendações de âmbito internacional. E cada política pública tem refletido os valores e paradigmas vigentes em determinados lugares e tempos, assim registrando as mudanças de mentalidade que ocorreram ao longo da história.
E quando hoje examinamos com maior cuidado as políticas públicas, os decretos e as leis, sentimos a urgente necessidade de procedermos à sua atualização por motivos os mais diversos:  
Por exemplo, podemos achar que as diversas políticas sociais estão se sobrepondo em alguns pontos ou apresentam lacunas, ou então algumas de suas linhas de ação estão em conflito ideológico com as novas situações, ou então parecem uma colcha de retalhos. 

Os novos desafios


Todos nós estamos vivendo o mais desafiador de todos os tempos. São muitos os desafios. Pois desta vez não podemos atualizar nossas políticas e leis simplesmente definindo melhor alguns dos direitos das pessoas com deficiência e simplesmente acrescentando mais um ou dois direitos. Não se trata mais de darmos um retoque à nossa legislação como se devêssemos tão somente maquiar e disfarçar as lacunas e as imperfeições em torno dos referidos direitos.
Desta vez precisamos mudar o prisma pelo qual olhamos os direitos já ordenados e aqueles que desejamos acrescentar. Precisamos substituir totalmente o paradigma que até então temos utilizado, até mesmo inconscientemente, em nossos debates e deliberações.
Qual paradigma devemos substituir e qual devemos colocar em seu lugar?
Vamos substituir o paradigma da integração social, que nos guiou por mais de 50 anos na elaboração de políticas e leis e na criação de programas e serviços voltados ao atendimento das necessidades especiais de pessoas com deficiência.
O paradigma da integração social consiste em adaptarmos as pessoas com deficiência aos sistemas sociais comuns e, em caso de incapacidade por parte de algumas dessas pessoas, criarmos sistemas especiais separados para elas. Neste sentido, temos batalhado por políticas, programas, serviços e bens que garantissem a melhor adaptação possível das pessoas com deficiência para que elas pudessem fazer parte da sociedade.
Por este paradigma, a sociedade continua basicamente a mesma em suas estruturas e serviços oferecidos, cabendo às pessoas com deficiência serem capazes de adaptar-se à sociedade.
Este paradigma não mais satisfaz a compreensão que adquirimos recentemente a respeito de como deve ser a sociedade ideal não somente para pessoas com deficiência como também para todas as demais pessoas.
Lenta porém firmemente, vem surgindo o paradigma da inclusão social.
O paradigma da inclusão social consiste em tornarmos a sociedade toda um lugar viável para a convivência entre pessoas de todos os tipos e condições na realização de seus direitos, necessidades e potencialidades. Neste sentido, os adeptos e defensores da inclusão, chamados de inclusivistas, estão trabalhando para mudar a sociedade, a estrutura dos seus sistemas sociais comuns, as suas atitudes, os seus produtos e bens, as suas tecnologias etc. em todos os aspectos: educação, trabalho, saúde, lazer, mídia, cultura, esporte, transporte etc.
Este paradigma já serviu de base para a aprovação de diversos instrumentos legais, assim como de várias declarações e recomendações mundiais. Por exemplo, nos Estados Unidos da América, existe desde 1990 a Lei dos Americanos com Deficiência (mais conhecida como ADA 1990), que ao longo dos últimos anos vem sendo estudada e adaptada em outras partes do mundo. No âmbito mundial, temos a Declaração de Salamanca (1994), a Carta para o Terceiro Milênio (1999), a Classificação Internacional de Funcionamento, Deficiência e Saúde (produzida pela Organização Mundial de Saúde e aprovada pelas Nações Unidas em 2001, em substituição à Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades, de 1980) a Declaração de Washington (1999), a Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão (2001), a Declaração de Madri (2202), a Declaração de Sapporo (2002) e, finalmente, a Declaração de Caracas (2202).

 As pessoas a serem incluídas


Quando falamos em inclusão social, não nos referimos exclusivamente às pessoas com deficiência. Estamos falando de todas as pessoas até então excluídas dos sistemas sociais comuns e que, a partir de agora, precisam estar incluídas mediante a adaptação da sociedade às necessidades e peculiaridades específicas de todas as pessoas. Isto nos traz à presença dos princípios da inclusão social, dentre os quais citamos os seguintes:
ü  Celebração das diferenças
ü  Direito de pertencer
ü  Valorização da diversidade humana

Assim, olhando as coisas pelo paradigma da inclusão social, geraremos idéias e pontos de vista que respeitam esses princípios e suas implicações.
A celebração das diferenças significa que as diferenças são bem-vindas, são atributos, implicam em maneiras diferentes de se fazer as coisas, muitas vezes necessitam tecnologias específicas e apoios especiais.
O direito de pertencer significa que ninguém pode ser obrigado a comprovar sua capacidade para fazer parte da sociedade.
A valorização da diversidade humana significa que a sociedade se beneficia com o fato de ser composta por uma tão variada gama de grupos humanos. A sociedade precisa da contribuição única que pessoas e grupos de pessoas podem dar para o enriquecimento da qualidade de vida de todos. 
Um outro aspecto importante no paradigma da inclusão social consiste no papel das pessoas dentro do processo de mudanças sociais. As políticas, os programas, os serviços e as práticas sociais não podem ser simplesmente disponibilizados a determinados segmentos populacionais. Estes segmentos devem participar do desenvolvimento, da implementação, do monitoramento e da avaliação desses programas e políticas.
A esta participação damos o nome de empoderamento, que é o uso do poder pessoal para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle da situação de sua vida. Compõem o conceito de empoderamento os conceitos de independência, autonomia e autodeterminação de cada pessoa ou grupo de pessoas.
Numa perspectiva inclusiva, um novo conceito de inteligência passa a ocupar o lugar da velha teoria da inteligência única. Estamos utilizando agora a teoria das inteligências múltiplas, segundo a qual todos os seres humanos possuem pelo menos oito inteligências: musical, lógico-matemática, verbal-lingüística, interpessoal, intrapessoal, corporal-cinestésica, visual-espacial e naturalista. A participação de qualquer pessoa, mesmo daquelas com deficiência mais comprometida, torna-se possível graças ao uso das diversas inteligências que possuímos. Assim, não mais classificamos as pessoas como tendo “inteligência acima da média”, “inteligência média”, “inteligência abaixo da média” e “inteligência zero”. De acordo com a teoria das inteligências múltiplas, todas as pessoas são inteligentes, cada uma a seu modo, pois é única a composição dos níveis de desenvolvimento  das oito inteligências combinadas com o estilo de aprendizagem de cada pessoa. 

As novas políticas públicas


A atualização das políticas públicas, assim como a elaboração de novas políticas públicas, devem passar, portanto, pelo prisma da inclusão social a fim de que possamos ter a garantia de que estamos no rumo certo diante das novas tendências mundiais no enfrentamento dos desafios da diversidade humana e das diferenças individuais em todos os campos de atividade humana.
Devemos estar atentos para não perpetuarmos, nas novas políticas públicas, certas práticas geradas sob o paradigma da integração social, tais como:  criação de subsistemas separados para pessoas com deficiência (escolas especiais, classes especiais, brinquedos separados em parques de diversões etc.), aceitação de cotas específicas para pessoas com deficiência (reserva de vagas em concursos, reserva de vagas no mercado de trabalho, reserva de assentos em transportes coletivos, certa porcentagem de transportes coletivos adaptados etc.). Tais práticas são segregativas, discriminatórias e reforçadoras de estigmas, entre outros aspectos negativos.  
Precisamos educar a sociedade para que ela adote a visão inclusivista na elaboração e prática das políticas públicas em torno dos direitos e necessidades de todos os segmentos populacionais.



Romeu Kazumi Sassaki, 2003.
fonte: www.ceset.unicamp.br

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